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Gestão por confiança
12 de Dezembro de 2019
Ao longo da minha carreira de mais de 40 anos nas organizações como executivo-diretor e nos últimos 30 anos como executivo-consultor, sinto-me seguro ao afirmar que os maiores inimigos das empresas são a predominância da visão financeira e o seu decorrente sistema de gestão.
Realmente, em todos os casos que pude constatar, principalmente nos últimos anos, companhias que primavam pela preferência dos seus clientes; que eram admiradas e protegidas por seus colaboradores; e que estimulavam seus acionistas, quando se viram tentadas a colocar, como principal meta, o resultado financeiro, mergulharam num profundo abismo.
Tornaram-se presas fáceis do pensamento financeiro imediato, regado à ética da desconfiança, o que fez empobrecer o espírito de servir de seus funcionários e fornecedores vindo a deteriorar, rapidamente, o valor percebido da organização no foco de seus clientes.
Não há nada mais precioso para uma empresa do que o valor percebido por aqueles que entram com o dinheiro na companhia financiando o seu futuro: seus clientes.
Em todos esses casos, quem acabou pagando a conta foram os incautos acionistas, iludidos pelo canto da sereia de que a rentabilidade só aconteceria se houvesse uma forte redução de custos, mesmo que com um certo empobrecimento das ofertas e serviços aos clientes, acompanhado do enxugamento do seu quadro de talentos.
Essa doença se propagou muito a partir de 2008, de tal maneira que não seria exagero afirmar que o conjugado – predominância da visão financeira + gestão pela desconfiança – veio se propagando como o ebola das organizações mais incautas.
Tornou-se quase uma epidemia no meio daquelas que se deixaram enfraquecer por não revitalizarem os propósitos originais que as trouxeram até aqui e por não construírem blindagens – vacinas que as protegessem do lucro baseado em perdas de futuro.
Realmente, as empresas que não cuidam da higiene de seus motivos maiores e não se equipam de vacinas contra a implacável infecção financeira ficam à mercê de gestores de ocasião, mais voltados para resultados-bônus de curto prazo do que para aquilo que irá assegurar a perenidade do empreendimento.
A visão financeira, quando predomina, se nutre da desconfiança.
Como, nesses casos, fica estabelecido que o dinheiro é o que interessa em primeiro lugar, abre-se um enorme espaço para que a mesquinharia tome o lugar do senso de austeridade, que é algo extremamente importante para o sucesso em qualquer área de geração de riqueza.
Diante desse estado de coisas, a compulsão pelo controle passa a ser parte da cultura, uma vez que o dinheiro torna-se o bem mais valioso, dentro e fora da organização.
Como o dinheiro serve a qualquer um, nada mais recomendado do que tratá-lo como se estivesse sempre na iminência de estar sendo roubado.
Um dos efeitos mais danosos de toda essa maneira de ser é a proliferação de procedimentos burocráticos e de indicadores que engessam a empresa e afastam qualquer esforço pelo novo, por aquilo que foge do que sempre foi feito.
Curiosamente, a antessala da corrupção é o excesso de controle.
As empresas infeccionadas pela visão financeira são as recordistas de malfeitos internos e externos, com tem sido noticiado nos veículos empresarias mais reservados.
No âmago de tudo isso está a chamada ética da desconfiança.
O funcionário não confia na postura da empresa, o cliente desconfia do que a empresa propõe, daí compra preço e o acionista acha que pode estar havendo desvios.
A gestão pela desconfiança trata de minimizar perdas sobre perdas.
Veja agora a insensatez dessa maneira de pensar a gestão: a Economia é toda ela baseada na Confiança.
A Economia se alimenta, fundamentalmente, da confiança. Pois veja:
Nós confiamos que uma cédula de dinheiro vale o que lá está escrito, nós confiamos naquele produto que compramos, nós confiamos no remédio que o médico nos indica, nós aceitamos, por pura confiança, que aquele avião nos levará até onde queremos chegar, e assim por diante.
Tudo o que nos cerca parte da confiança que depositamos.
Uma cédula de dinheiro vale o que vale porque nós confiamos que assim seja; até porque, desde 1971, nem lastro mais ela tem.
Aliás, o dinheiro nem existe materialmente mais.
Por exemplo, se somarmos todos os Reais em circulação dará menos do que a receita anual da Petrobras. Se você não avisar a tempo o gerente do banco que quer sacar o dinheiro que depositou e tem guardado lá, ele não terá a quantia disponível.
O próprio dinheiro é então uma manifestação de confiança de ambos os lados; daquele que tem o direito e daquele que tem o compromisso de fazê-lo existir novamente.
Qualquer gesto que corrói a confiança vai contra o movimento da Economia. É tão simples quanto isso.
Premidas pela queda geral do movimento econômico como um todo, particularmente no nosso Brasil dos últimos anos, as empresas que deixam esgarçar os seus predicados de caráter – Valor percebido no Foco dos Clientes, contribuição para a realização das pessoas que trabalham para ela, empenho legítimo para o sucesso de seus fornecedores e, sobretudo, zelo pelo risco e coragem dos seus acionistas – tornaram-se vilãs da sua própria prosperidade, elegendo o dinheiro aqui-e-agora como tábua de salvação.
Entrando num círculo vicioso, vão enfraquecendo o que tinham de admirável e perdendo credibilidade aos olhos justamente daqueles que deveriam financiar o seu futuro: seus clientes.
Completamente perdidas, saem comprando vendas para cumprir metas insanas, embebidas de emergência diante do incêndio que elas mesmas criaram pela desconfiança e falta de cuidado com o seu sonho de futuro.
Os velhos sábios acreditam que essa escolha é aquela que caracteriza um curto caminho longo.
Na tentativa de restabelecer a rentabilidade, imediatamente, a qualquer custo, os gestores saem corroendo justamente o que a fazia notável: seu Gesto de Servir.
A pá de cal diária acaba sendo a natureza de seu sistema de gestão. Voltado para o controle, criando e impondo indicadores cada vez mais complicados, fazendo com que os seus profissionais os tenham como mais importantes do que os verdadeiros fins da empresa.
A gestão “esquece” das suas finalidades externas – criar e manter clientes leais e promotores
espontâneos do seu valor – e concentra-se apenas nas suas finalidades internas: custo, eficiência operacional e controle.
O efeito desse desequilíbrio entre finalidades externas e internas tem sido catastrófico.
Há evidências de que essa obsessão por controle, como forma de lidar com a desconfiança e disfarçada de eficiência operacional, acarreta um gasto de mais de 30% acima do custo razoável para que tudo funcione de maneira mais simples e no tempo certo.
O desgaste dos funcionários, no caso, está muito acima do que se pode aceitar como próprio de momentos de dificuldade.
Um continuado ambiente de estresse tem provocado enormes perdas no campo dos indivíduos-chaves dessas organizações. Há notícias de que muitos de seus gestores tornaram-se os grandes consumidores de Rivotril para dormir e usuários de “energizantes” para conseguirem trabalhar durante o dia.
Esse estado calamitoso põe tudo a perder e talvez seja uma das razões que explicam por que jovens formados pelas melhores escolas de administração do país não querem saber de trabalhar nas empresas que aí estão.
A desconfiança, ao tomar conta, colapsa a organização. Um ambiente em que a desconfiança impera é palco fértil para baixa qualidade e soluções precárias.
DAQUI EM DIANTE É MELHOR DAR UMA MELHORADA
A confiança, por sua vez, requer generosidade e esperança.
Adam Smith afirmou certa feita que o egoísmo do mercado se autorregulava e promovia o progresso. Hoje sabemos que isso é uma enorme falácia.
Uma humanidade não generosa acumula guerras, como não cansa de afirmar o mestre Jean Bartoli.
A desconfiança no mundo dos negócios se baseia, na minha opinião, em três pilares:
- o dinheiro é o que interessa de fato nessa vida;
- dinheiro é como droga: quanto mais se tem mais se quer ter;
- as pessoas querem pegar o dinheiro dos outros.
Aliás, um dia desses um conhecido empresário, movido e reconhecido por sua visão preponderantemente econômica, quando procurado para dar um parecer para um jovem empreendedor empolgado com o produto inovador que pretendia oferecer aos seus clientes, jogou água fria na fervura saindo-se com essa: “você quer ter razão ou ganhar dinheiro?”.
Pois é, para o raciocínio tosco de quem julga que o dinheiro é a essência, quando se trata apenas de um importante fundamento: ganhar dinheiro, então, é para aqueles que não têm razão?!
Uma pessoa saudável não diria isso.
Dinheiro, lucro, enfim, é a justa paga que a Sociedade dá para aquele que a faz melhor com seus produtos e serviços.
Dinheiro gerado de outra maneira é conhecido como sujo, isto é, sua fonte, como diz um amigo meu, não dá para contar para a mãe.
A confiança, no mundo nos negócios, se apoia em três outros pilares:
- pessoas comprometidas com uma causa que as promove como ser humano trabalham pela crença e não por tarefas quaisquer;
- a credibilidade é o nome do jogo: internamente e externamente à empresa;
- a essência de uma empresa é a relação significativa que constrói com todos os que a ela afetam ou são por ela afetados.
A confiança reduz o custo de administração da companhia e transforma seus clientes e fornecedores em promotores espontâneos da empresa e seus advogados leais diante de ataques da concorrência.
Uma medida saneadora para aqueles que decidem revolucionar a sua organização, retomando as rédeas do valor percebido pelo estabelecimento do ambiente de colaboração entre todos, imprescindível para a sobrevivência próspera do empreendimento, será mapear e identificar todos os nós, nos processos internos que exalam desconfiança, por terem se originado de controles absurdos, muito além do que é prudente e valioso.
Os mais danosos nós são aqueles que nasceram para alimentar relatórios burocráticos criados, na história da companhia, por pessoas sequiosas de reconhecimento fácil de seus superiores de ocasião.
É preciso lembrar que quanto mais levantamentos, pré-julgamentos, controles e afins, mais se alimenta a irresponsabilidade e a falta de ética.
Confiar nas pessoas nunca é demais se se tem o cuidado de saber com quem a gente anda.
Um gestor que se defende aumentando o controle não só não progride como indivíduo mas ainda leva a sua equipe e a sua empresa para baixo.
Empresas movidas por guerra de preço, quando as analisamos por dentro, são verdadeiros depósitos de desconfiança.
Pessoas, quando trabalham para essas empresas, são compelidas a se moverem apenas por dinheiro.
O que se pode fazer acontecer com gente que se une a nós apenas por dinheiro? Cada um de nós tem um caso desses para contar, não é mesmo?
Para deflagrar um movimento pela confiança que mudará radicalmente a companhia infectada pela visão financeira imediatista, comece por você mesmo.
Limpe a sua área dessa praga; higienize os seus procedimentos e dê o testemunho de confiança a cada passo do seu dia a dia de gestor.
Diante de uma situação em que não existe reciprocidade daqueles dos quais você esperava mais – sejam eles funcionários, fornecedores ou clientes – vá até onde ficam e arranje uma maneira de conversar, olho no olho, sabendo de suas vidas e ouvindo suas explicações. Você constatará que, muitas vezes, tratam-se de indivíduos ressentidos com gerentes que por ali passaram e que deixaram tristes marcas, difíceis de serem apagadas.
Apesar disso, não esmoreça!
Pessoas saudáveis se sentem recompensadas diante de outras tão íntegras e dedicadas quanto elas.
O seu ouvir e a sua fala serão sementes férteis que florescerão para sempre no coração e na mente dessas pessoas.
Qual seria a resposta daquele conhecido empresário, fincado em dinheiro, se o jovem sonhador o tivesse retrucado com outra pergunta:
“O senhor quer que a sua empresa ganhe confiança ou ganhe dinheiro?”
Talvez, diante da cara de desalento do cidadão o jovem poderia completar: “Os dois, meu senhor. Primeiro a confiança e, em segundo lugar, como reconhecimento, o dinheiro”.
“Di boa!”, como diria meu neto.