Escola de Marketing Industrial
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Empresas que se adaptam e outras que promovem as mudanças

José Carlos Teixeira Moreira

01 de Maio de 2020

José Carlos Teixeira Moreira

DIANTE DAS ATUAIS CONJUNTURAS ECONÔMICA E POLÍTICA ADVERSAS, HÁ EMPRESAS QUE SIMPLESMENTE SE ADAPTAM, E TORNAM-SE VÍTIMAS DAS CIRCUNSTÂNCIAS. OUTRAS, PORÉM, ACREDITAM NO FUTURO E PROMOVEM MUDANÇAS. COMO PROMOVÊ-LAS, NESSES MOMENTOS DIFÍCEIS, É O TEMA DESTE ARTIGO.

No momento em que estamos vivendo no Brasil um inusitado ciclo de turbulências econômicas, fruto de uma lamentável falta de competência do governo, emoldurada por um deslavado desmando ético da maioria da classe política dirigente, as empresas produtoras de bens e serviços se encontram diante de muralhas absurdas para cumprir o seu papel de geradoras de valor para o país.

Quando uma nação se vê impedida de poder produzir e gerar riquezas genuínas, condena todo o seu povo a um estado de desesperança, o que desencadeia perdas seguidas, mutilando o sonho de progresso de todos.

As empresas e instituições, quando imbuídas da sua missão essencial – criar e disponibilizar produtos, serviços e conhecimentos que promovem a prosperidade de todos os agentes da sociedade – são as grandes alimentadoras daquelas riquezas genuínas que os seres humanos saudáveis esperam poder contar.

Nós, brasileiros, somos escolados em crises econômicas.

Passamos por 20 planos econômicos ao longo desses últimos 40 anos. Vimos o Brasil trocar de dinheiro um punhado de vezes, doamos ouro para o bem do Brasil, nos alertaram para o ame-o ou deixe-o, acordamos com 80% de inflação ao mês enganados pelo sorriso do Sarney, tivemos nosso dinheiro confiscado e assim por diante.

Um dia, um sociólogo assume o Ministério da Fazenda a convite de um presidente em que não se punha muita fé, reúne gente de primeira e cria um plano que acaba com o maior imposto que grava os pobres, a inflação.

O país dá um passo enorme e começa a pôr a casa em ordem depois de anos de desencontros.

Entra então no palco uma nova orientação voltada para estimular o consumo daqueles que, por uma série de razões, nunca puderam satisfazer o seu desejo de ter, de consumir.

Foram momentos festivos, animados pelos resultados que estavam sendo colhidos a partir do Plano Real e de uma enorme exportação de bens primários capitaneados pela China.

Reformas políticas e estruturais, investimento em infraestrutura, energia, água, estradas, ferrovias, logística enfim, foram deixadas de lado em prol da opção pelo poder perene, apoiado numa sensação ilusória de progresso material das classes menos favorecidas.

Soma-se a isso tudo um total desvio ético de cima para baixo que resultou na perda da confiança que é fundamental para que a economia e o país progridam.

A conta chegou e chegou brava. Estamos assistindo a uma desmedida contenção de investimentos, em todas as áreas, como um recurso dramático para colocar nos eixos o que saiu, por responsabilidade inequívoca do governo que aí está.

Nesse quadro, por demais conhecido por todos nós executivos, o que resta fazer com nossas empresas?

A postura clássica em tempos bicudos como esse tem sido de adaptação como forma de sobrevivência.

A adaptação parte do princípio darwiniano de que só os mais robustos, no sentido de se acomodar às novas exigências do mercado, irão se salvar.

O cardápio tradicional, nesses casos, indica:

  • cortar custos
  • cortar gente: havia 10; agora só 4, trabalhando pelos 10
  • diminuir salários
  • colocar os empregados que sobraram em lay off
  • fazer apenas o básico em termos de qualidade
  • baixar o preço para vender
  • acertar com os concorrentes como devem ser os negócios
  • pressionar o governo para conseguir favores
  • pagar apenas os impostos possíveis
  • mudar a empresa de lugar para pagar menos imposto
  • trazer de fora o que fica mais barato e fazer de conta que é feito aqui
  • diminuir os ganhos dos representantes e vendedores
  • cortar treinamento
  • reduzir os serviços aos clientes
  • passar a cobrar os serviços remanescentes
  • deixar de visitar os clientes; só nos casos dramáticos
  • cortar viagens
  • em hotéis, colocar até quatro num mesmo apartamento
  • tirar refeições e substituir por lanches
  • cortar manutenção
  • canibalizar máquinas
  • terceirizar tudo o que der para ser feito para abaixar o custo
  • cortar investimentos em novos produtos e gestão
  • cortar comunicação: feiras, exposições, catálogos, almoços
  • proposta, só por e-mail
  • eliminar a área de sustentabilidade
  • dar um fim às comemorações, de qualquer natureza.
  • etc.

nada disso é novo, como sabemos, mas o que é novo são os seus efeitos colaterais.

A escolha pela adaptação, nos moldes em que descrevi, traz embutida os seguintes danos:

  • desgaste da essência da companhia: daquilo que foi responsável pelo estado de admiração e preferência dos clientes e que permitiu que a empresa chegasse onde está hoje,
  • o estabelecimento de um contexto de pânico que faz emergir um nível assustador de violência interna que corrói o sentimento de servir de todos que a compõem,
  • uma perda brutal da qualidade percebida pelo cliente pelo aflorar da mesquinharia no lugar da austeridade,
  • uma deterioração do market share como consequência da perda de diferenciais de valor percebido no foco dos clientes,
  • o estímulo a práticas lesivas, internas e externas, justificadas pelo tal momento econômico,
  • a perda de talentos por se sentirem lesados naquilo que entendiam como sendo a causa maior da empresa,
  • a atração de profissionais medíocres embalados pela chance apenas de poder,
  • a troca de clientes leais por outros ocasionais, movidos por oportunismo e interesse,
  • a criação de um contexto de stress que desencadeia o comportamento de vítima em todos os funcionários e, por decorrência, nos fornecedores e clientes da empresa.

A adaptação numa situação como a atual realmente não dá conta do recado. São muitas perdas e pouquíssimos ganhos.

O ser humano, graças à consciência, tem condições de evoluir, e não apenas de se adaptar. trata-se do único animal que afeta e interfere no mundo além do seu corpo. Isso faz com que a adaptação seja a sua ação menor. Seres humanos, na sua plenitude de motivos e propósitos, mudam o mundo ao seu redor.

Portanto, o outro lado da moeda é a empresa optar por ser a provocadora da mudança do quadro que aí está e não apenas um agente adaptado.

Quando a empresa assume o seu papel social, ou seja, aquele em que a sua razão de ser está ligada a conquistar a prosperidade a partir da contribuição para o progresso de todos os que ela afeta e são afetados por ela, a coisa muda de figura.

Provocar a mudança, ao invés de se adaptar à situação de mercado, significa agir como protagonista e não como vítima do que está ocorrendo.

O protagonismo da empresa será expressado quando o que está em jogo é:

  • resgatar a essência da empresa e todas as suas virtudes, no foco dos clientes, que foram responsáveis pelo sucesso da companhia até hoje,
  • modernizar a forma de expressão dessas virtudes, no conteúdo, na forma e no gesto de servir aqueles que escolheu para virem fazer e compartilhar do seu futuro,
  • selecionar os clientes que comungam do mesmo sonho de prosperidade e aceitam ser os coautores do sucesso em comum,
  • cultivar os 20% de funcionários realmente aliados e mobilizar um punhado daqueles que apenas estão agindo como figurantes no palco e nos bastidores da empresa,
  • convidar para sair aqueles conhecidos 20%que agem como detratores da empresa, jogando contra os que têm senso proprietário e compromisso com o sonho da companhia,
  • aumentar ao máximo a qualidade percebida dos produtos e serviços através de projetos de baixo custo e facilidade de implantação, buscando dar brilho ao óbvio do que precisa ser feito para os clientes leais,
  • estabelecer procedimentos que partem da confiança, ao invés do controle, na relação comercial com os clientes, diminuindo os sabidos custos da desconfiança,
  • levantar e cortar todos os gastos que permeiam a empresa, para que os custos sejam apenas aqueles necessários para a qualidade que se propõe e que não devem ser cortados,
  • formar toda a empresa no Foco Do Cliente de modo que qualquer iniciativa, em qualquer área, contribua para uma oferta de valor única para os clientes escolhidos,
  • exercitar a empresa no apreçar, com cedilha, suas ofertas, com base na criação de valor no foco do cliente,
  • bonificar todos os funcionários aliados na construção do valor percebido pelo cliente, distribuindo parte do “a mais” que a companhia recebe do cliente por sua preferência em relação aos outros fornecedores,
  • comemorar todos os ganhos, a qualquer momento, motivando a casa para um crescimento perene a partir de uma saudável inquietude com o já alcançado.

Uma empresa que tem essa forma de ser como princípio cria um ambiente no qual as pessoas se mostram no que têm de melhor. Ao contrário daquela que escolhe deixar o espírito de vítima predominar, estimulando os funcionários a expressar o que têm de pior.

Trata-se, como o prezado leitor percebe, de uma grande questão de escolha.

Haverá sempre quem prefira se portar como vítima, terceirizando o seu sucesso ao governo, à situação econômica e assim por diante.

Liberdade existe para isso: a gente decide o que quer da vida. Com uma empresa é o mesmo.

Alguém poderia ponderar: tudo bem, mas, a empresa precisa do faturamento para continuar existindo. Como fica isso num quadro tão hostil de negócios?

O que penso é o seguinte:

O que faz quebrar uma empresa não é a falta de lucro, mas sim a falta de caixa.

Enquanto o lucro depende muito de como a empresa lida com as suas receitas e seus custos, o caixa quem provê são os clientes leais.

Pensar que o banco é que faz isso é pura miopia. Esse recurso é quase sempre dramático; deve ser considerado apenas em casos especialíssimos, sempre com a perspectiva de nos vermos livres dele o mais rápido possível.

A reciprocidade que o cliente nos pede por nos recompensar com o caixa é poder nos promover espontaneamente junto a outros tão bons quanto ele e nos defender como um advogado leal na nossa ausência.

O momento econômico brasileiro vai nos dizer quais empresas irão continuar e quais irão desaparecer, assim como quais irão nascer no vácuo deixado por essas últimas.

A única coisa perene nos negócios de sucesso são a lealdade de clientes e a arte da empresa em servi-los como exemplo de atenção e ética.

Irão desaparecer todas aquelas que se fiam em medidas internas voltadas apenas para o corte de custos às custas da perda de valor percebido no foco dos seus clientes.

As empresas que aproveitam esse desafio momentâneo no país para se energizarem nos seus valores essenciais, na sua razão de ser para servir, no seu elenco de pessoas aliadas, no aumento do seu conhecimento técnico e filosófico, certamente serão valorizadas cada vez mais, não exatamente pelo que produzem mas pelo que fizeram acontecer nesses tempos em que a maioria se sentia vítima.

Empresas como essas fortalecem a nação como testemunhos vivos da possibilidade de se construir progresso e equidade na geração de ganhos para todos.

Esse é o bom palanque que nos levará a ser o país que sonhamos.

Boa escolha!

José Carlos Teixeira Moreira

É Presidente do Instituto de Marketing Industrial, Presidente da Escola de Marketing Industrial e Diretor da JCTM Marketing Industrial

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